Porque as pessoas compram #3: Efeito Ancoragem
O grande efeito da ancoragem na percepção de valor é que costumamos entender que o mais caro é o melhor, mas nem sempre é assim.
No fim das contas, quando se somam todas as especialidades relacionadas ao Marketing, desembocamos na foz, no resultado final de tudo: o storytelling.
Somos seres moldados pelas narrativas nas quais acreditamos, fruto da nossa ancestralidade. Por centenas de milhares de anos o conhecimento humano foi transmitido através de histórias.
A primeira vez que abordei esse tema em público foi numa palestra no RD Summit 2018 chamada NeuroStorytelling, que vinculava a neurociência e os efeitos do hormônios em como consumimos e reagimos a histórias.
Curiosamente, foi a minha pior nota em oito palestras no RD Summit. Acho que foi “profunda” demais para um evento de grande porte. No ano seguinte foi orientado a fazer uma palestra mais prática e com dicas simples e aplicáveis. Fiz a palestra mais simplória de todas e obtive a minha maior nota de todos os Summits.
Isso diz muito sobre como o público interpreta a mensagem.
O mestre Dan Ariely é um dos pesquisadores que mais admiro. Sua obra me ajudou a entender os vínculos entre o cérebro e as razões pelas quais fazemos as coisas - por vezes estúpidas - que fazemos corriqueiramente.
Ariely explica que:
“Todos queremos explicações sobre por que nos comportamos da forma como fazemos e sobre como o mundo ao nosso redor funciona, mesmo quando nossas explicações têm pouco a ver com a realidade.
Nós somos criadores de histórias por natureza, e contamos a nós mesmos história após história até encontrar uma explicação da qual gostamos e que parece razoável o suficiente para acreditar.”
Trocando em miúdos, decidimos com a emoção e justificamos com a razão, usando qualquer explicação estapafúrdia que ajude nosso neocórtex (a nossa racionalidade) a tolerar os impulsos do nosso sistema límbico (o hipotálamo, esse abestado consumista).
Uma frase que circula pela internet e sarcasticamente cutuca o comportamento da sociedade de consumo resume de forma brilhante o que somos:
“Pessoas gastam o dinheiro que não têm, para comprar coisas que não precisam, para impressionar quem elas nem gostam.”
O espírito humano é mesmo muito curioso. Mesmo quem tem plena consciência disso acaba se comportando dessa forma.
Morgan Housel, autor do livro A Psicologia Financeira, é um investidor que tem feito um papel importante na educação financeira global. Ele também tem uma frase muito simbólica do ponto de vista comportamental:
“Gastar dinheiro para mostrar às pessoas quanto dinheiro você tem é a forma mais rápida de ter menos dinheiro.”
A nossa relação com o dinheiro, o status e os símbolos sociais de sucesso dita nosso comportamento muito mais que nossos desejos mais profundos. Em uma edição futura, abordarei a necessidade de validação social.
Então vamos ao mecanismo mais usado no marketing, nos negócios, nas negociações e até mesmo na manipulação da opinião pública: a Ancoragem.
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Efeito Âncora: como um ponto de referência inicial molda a interpretação de (quase) tudo o que fazemos
Na primeira edição desta newsletter abordei o Efeito Isca (Decoy Effect), ou Efeito de Dominância Assimétrica. É um caso gritante de aplicação do Efeito Ancoragem, tema desta newsletter.
Algo interessante sobre os vieses cognitivos é que não são excludentes. Pelo contrário, muitos deles se somam e até mesmo se multiplicam. Quem usa habilmente diferentes técnicas de percepção consegue construir narrativas extremamente convincentes que fazem até mesmo os mais céticos comprarem coisas das quais não precisam.
A ancoragem de forma científica
Em 1974, os psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman pediram a cada um dos participantes de um estudo que calculasse uma de duas expressões matemáticas diferentes em apenas cinco segundos.
Cada grupo recebeu de forma diferente a conta a ser feita:
1x2x3x4x5x6x7x8
ou
8x7x6x5x4x3x2x1
Como os participantes tiveram apenas 5 segundos para resolver o problema, eles estimaram a resposta em vez de realmente realizar a multiplicação.
A solução para ambos os problemas é o mesmo número: 40.320.
Mas as pessoas fizeram estimativas muito diferentes para cada expressão matemática.
Para o grupo que foi apresentado ao problema 1x2x3x4x5x6x7x8, a estimativa mediana foi 512 — o que significa que metade dos participantes chegou a um número menor que 512.
Para o grupo apresentado ao problema 8x7x6x5x4x3x2x1, a estimativa mediana foi 2.250 , ou mais de 4 vezes maior.
Não é uma diferença desprezível — criada simplesmente apresentando o estímulo na ordem inversa.
Os números “âncora” principais de cada um dos problemas (1x2=2 vs. 8x7=56) influenciaram as estimativas significativamente.
Números pequenos no começo sinalizaram um resultado pequeno, e números grandes induziram uma estimativa grande.
Na ausência de outras informações, as pessoas dependem muito da ancoragem para moldar as decisões que tomam.
Âncoras reduzem o custo cognitivo da tomada de decisão e podem até aumentar o valor percebido de um produto ou serviço. Em muitos casos, as âncoras fazem o valor percebido de uma solução ser muito maior que seu valor real.
Gosto muito da definição da Wikipedia:
“O efeito de ancoragem é um viés cognitivo que descreve a comum tendência humana para se basear de forma intensa, ou de se "ancorar", a uma característica ou parte da informação recebida, quando em processo de tomada de decisão.
Dito de outra forma, designa a dificuldade de alguém em se afastar da influência de uma primeira impressão.”
Isso se aplica especialmente a informações numéricas, estatísticas e mesmo percepções sociais, como a janela de Overton, usada para influenciar a opinião pública baseado em posições tidas como extremas, para mover a sociedade quanto a temas sensíveis, como aborto, porte de armas e privatizações (esse é um tópico complexo, que mereceria uma newsletter específica).
A ancoragem na negociação
Em negociação existe o conceito da ZOPA: Zone of Possible Agreement, (ou Zona de Possível Acordo).
Enquanto o vendedor tem um preço de referência, o comprador pretende pagar um preço significativamente menor.
O vendedor tem um preço máximo desejável, pelo qual o comprador não está disposto a pagar. O comprador, por outro lado, gostaria de pagar um preço bastante menor.
Para estabelecer uma referência, tipicamente compradores usam:
o próprio orçamento definido
valor de referência baseado em outros fornecedores
O desafio, para o vendedor, são preços predatórios de concorrentes.
Exemplificando: o vendedor deseja vender um projeto por R$ 50K, sendo que um preço com menor margem aceitável seria R$ 47K e o mínimo praticável seria R$ 43K.
O comprador tem orçamentos variando entre R$ 35K e 55K. O comprador possivelmente começaria a negociação abaixo de R$ 35K, tentando manter os valores próximos do menor preço de mercado.
Para o vendedor, esse seria um Walk Away Price (o que significa encerrar a participação na negociação). Mas na prática o processo começa na negociação para convergir o preço até um valor mediano.
Esse intervalo é a ZOPA: a zona que fica entre o preço que o vendedor deseja e o comprador se dispõe a pagar.
Ancoragem de preços
Quem não se sente tentado a comprar algo de R$ 499 por R$ 299?
Ou aproveitar a promoção de um carro com bônus de R$ 5.000?
Esse é o uso mais óbvio e popular da ancoragem.
A prática do "de / por” surte um efeito imediato no cliente-alvo, seja porque ele estava esperando a tempos a oportunidade de pagar seja porque está “precisando” do produto/serviço e vê no desconto a oportunidade imperdível.
Meu case preferido de ancoragem
Anos atrás demos consultoria para uma empresa de educação. Atendemos a Pós-Graduação da instituição, que tem uma marca super premium e uma reputação impecável.
O processo seletivo para a Pós-Graduação durava um mês e o desconto não era nada atrativo: 3%.
Para o brasileiro, um desconto de 3% é quase uma ofensa.
Aí entra a ancoragem de percepção. Quando o valor monetário é pequeno, o desconto tipicamente deve ser mostrado em porcentagem. Num preço de R$ 100, R$ 30 de desconto é pouco, mas 30% de desconto é bastante.
Numa Pós-Graduação que custa R$ 20.000, 3% de desconto é pífio, mas R$ 600 de desconto é representativo.
De novo: quando o valor monetário é pequeno, o desconto tipicamente deve ser mostrado em porcentagem. Quando o desconto é pequeno, é preferível mostrar o valor monetário.
Para enfatizar os descontos, decidimos com o cliente ampliar o prazo de inscrições para 60 dias, divididos em 4 etapas de 15 dias. Isso permitiu criar 4 fases de inscrição:
Fase 1: “Inscreva-se com o maior desconto” > R$ 600
Fase 2: “Inscreva-se com desconto”” > R$ 400
Fase 3: “Últimas inscrições com desconto” > R$ 200
Fase 4: “Últimas vagas, última chance de se inscrever” > foco no FOMO (Fear Of Missing Out)
Como o ser humano tende a procrastinar suas decisões, o maior volume de inscrições acontecia quando o prazo de se encerrava a cada fase, e a última fase, sem desconto algum, gerava o maior número de inscrições em relação às outras fases.
A comunicação toda era muito clara, honesta e transparente, ainda assim, uma grande quantidade de pessoas acabava deixando para depois e perdendo os maiores descontos.
O que jogava a favor era o valor da marca, extremamente respeitada, o que fazia com que a percepção de preço fosse menos relevante, tanto frente aos concorrentes quanto ao produto em si.
Outro caso conhecido no mercado de educação era um famoso instituto de “desenvolvimento pessoal” que vendia uma formação de 8 dias por R$ 8.000. No entanto, o preço era meramente ancoragem. A formação acabava sendo vendida por R$ 5.000 para mais de 80% dos alunos.
A fofoca no mercado é que não valia nem R$ 2.000, então por R$ 5.000 estava majorado em 150%.
Esse é o GRANDE efeito da ancoragem na percepção de valor: costumamos entender que o mais caro é o melhor.
Todo mundo gosta de uma vantagem, mesmo que não admita
Culturalmente entendemos “tirar vantagem” ou “obter vantagem” como algo ruim, digo de repúdio e repreensão.
Mas tirando a questão da vantagem do contexto negativo, todos nós gostamos de estar em vantagem. Um lugar à frente na fila, um camarote, um prato de comida maior, um acesso premium, a oportunidade de comprar primeiro, um desconto exclusivo.
Todo mundo gosta de se perceber mais esperto que os outros. Não por maldade, é da nossa natureza.
As pessoas tendem a evitar a dissonância cognitiva, ou seja, o desconforto mental que surge quando suas crenças entram em conflito com suas ações.
Para reduzir esse desconforto, os indivíduos frequentemente reinterpretam a realidade de forma a preservar uma autoimagem positiva – o que pode incluir a crença de que são mais inteligentes, racionais ou perspicazes do que os outros.
A ancoragem explora essa percepção oferecendo oportunidades imperdíveis. Na nossa vaidade cotidiana, caímos indefinidas vezes em ofertas ancoradas.
Isso acontece de forma tão corriqueira e já assimilada que já nem percebemos mais que estamos cedendo a impulsos e comprando “só porque está mais barato”.
“Se eu não comprar nada, o desconto é maior.”
— Julius Rock
Seria bom se fosse verdade, mas como vimos, a realidade é outra!
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Um número para não esquecer
Segundo evidências experimentais testadas por Amos Tversky e Daniel Kahneman, a aversão à perda tem um efeito enorme no nosso comportamento.
Ao enfrentar decisões financeiras, os indivíduos que experimentam aversão à perda pesam as perdas duas vezes mais fortemente do que os ganhos equivalentes.
Colocado de forma vulgar: as pessoas sentem uma perda de forma 2x mais forte do que um ganho.
Logo, perder R$ 100 gera 2x mais frustração do que ganhar R$ 100 gera de satisfação.
Os estudos conduzidos ao longo de décadas por Daniel Kahneman, que é psicólogo, o levaram à premiação com o Nobel de Economia em 2002.
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Frase da edição
“Toda e qualquer expressão racional está baseada em emoções.”
– António Damásio
Neurocientista português e um dos mais influentes profissionais de neurociência
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