Porque as pessoas compram #6: não são os jovens que decidem
Os conceitos demográficos, etários e financeiros mudaram.
Mais pessoas mais velhas, menos pessoas jovens e os impactos que isso gera na sociedade e no consumo. Primeiro, vamos olhar as pontas.
MAIS PESSOAS VIVENDO MELHOR POR MAIS TEMPO
Durante o século XX o aumento populacional, a acumulação de riqueza ao longo da vida e o ciclo estudo–trabalho–aposentadoria era praticamente uma expectativa linear para a classe média.
As últimas décadas começaram a apontar uma direção diferente, tanto no crescimento populacional quanto na estabilidade dos modelos de trabalho, e consequentemente, de estilos de vida.
Não é novidade para ninguém que as famílias estão tendo cada vez menos filhos, ou tendo filhos mais tarde e alguns casais nem mesmo tendo filhos.
O que antes era restrito a países muito desenvolvidos agora é um fenômeno global.
A maioria dos países tem cinco vezes mais pessoas em idade produtiva do que idosos. Em 2050, essa proporção deve cair para apenas três vezes. Isso antes significava menos pessoas trabalhando, gerando renda, pagando impostos e consumindo. Agora é diferente: vamos trabalhar por mais anos, gerar renda por mais tempo e consumir mais produtos e serviços específicos.
Isso também significa que os sistemas previdenciários não darão conta de sustentar tantas pessoas, se mantidos os padrões de contribuição atuais.
Muita gente envelhecerá com poucos recursos financeiros, pouco acesso à saúde e com má qualidade de vida. Em muitos países, os sistemas de saúde podem colapsar por não ter estrutura para cuidar de tantos idosos. Pode haver falta de leitos, de médicos, de enfermeiros e de recursos financeiros para pagar pelos tratamentos.
Mas alguns setores também se beneficiam. Os setores com maior crescimento devem ser aqueles responsáveis pelos produtos com maior consumo pelas famílias idosas, em especial produtos farmacêuticos, alimentos especiais, serviços de saúde, intermediação financeira, seguros, aparelhos e instrumentos médico-hospitalares, viagens e aluguel de imóveis.
NA OUTRA PONTA, OS JOVENS
A idade média da mãe ao ter o primeiro filho é cada vez maior. Mais mulheres e mais casais estão optando por não ter filhos, por razões financeiras (custos de assistência de saúde, educação dos filhos, renda familiar insuficiente), por razões profissionais (foco nos estudos e na carreira) ou por razões pessoais (não desejar filhos).
Há uma aceitação crescente sobre não ter filhos, assim como há tendências de novos modelos de relacionamento, que não envolvem crianças. Filhos eventualmente são preteridos em relação à pets, liberdade geográfica, autonomia de vida, falta de segurança quanto ao parceiro e outras razões.
Enquanto a população envelhece e menos crianças nascem, também enfrentamos desafios para formar os mais jovens, principalmente em tempos de mudanças aceleradas e um futuro cada vez menos previsível estável.
A internet trouxe novas opções de formação, como as faculdades via EAD, os cursos online livres, além do acesso à vídeos, artigos científicos, e-books e diversas outras ferramentas de estudo que, ou não existiam, ou não eram acessíveis antes dela.
As redes sociais, que ganharam impulso nos últimos 15 anos, trouxeram ainda mais impacto, principalmente para as chamadas “geração Y” (os “millennials”) e "geração Z”. Essas gerações cresceram com essas ferramentas ou praticamente nasceram com elas.
(não concordo com a forma como o Pew Research retalha gerações, mas vou adotar para facilitar o raciocínio)
O resultado disso é que elas têm uma forma diferente de lidar com o aprendizado, pois seus cérebros foram de alguma forma treinados – ou até mesmo viciados – em mais conteúdo visual, de consumo rápido, filtrado por algoritmos que aprendem as preferências pessoais e são programados para retê-los mais tempo. É uma vida dentro de bolhas com abundância de recompensa rápida.
Em um período de 20 anos, a prevalência do TDAH subiu de 6,1% (entre 1997 e 1998) para 10,2% (entre 2015 e 2016). O número de laudos de TDAH em escolas públicas entre 2015 e 2020 teve um aumento de 594%, segundo um estudo da UnB. [1] [2] [3]
A McKinsey indica que Millennials e Gen Z enfrentam dívidas estudantis, custos de moradia crescentes e inflação, reduzindo sua capacidade de acumular riqueza. No Brasil, a instabilidade econômica (crises como a de 2015 e a do COVID-19) levou muitos jovens a dependerem financeiramente dos pais por muito mais tempo.
Outro estudo apontou que os participantes da Geração Z tinham maior probabilidade de reportar um diagnóstico de saúde comportamental, mas menor probabilidade de declarar a busca de tratamento em comparação com outras gerações. A Geração Z tem probabilidade 1,6 a 1,8 vez maior de não buscar tratamento para uma condição de saúde comportamental do que os Millennials.
Ainda, de acordo com um levantamento do LinkedIn, 10% dos profissionais contratados em 2024 ocupam cargos que não existiam nos anos 2000, como: cientista de dados, gerente de sustentabilidade e os cargos ligados à inteligência artificial.
Em resumo: para os mais jovens, é mais difícil prestar atenção, ler, estudar temas complexos e profundos, além de pairarem enormes dúvidas sobre qual profissão escolher, também são mais propensos a enfrentar desafios de comportamento e saúde mental.
O início da vida adulta parece ser mais complexa para eles do que foi para as gerações anteriores.
Comentário:
Para piorar, uma ampla gama de gurus, coachs e estelionatários digitais prega a crença de que fazer faculdade é perda de tempo e pode-se aprender qualquer coisa online, no Google, no YouTube, no ChatGPT e nos cursos que eles mesmos vendem (ora, ora, quem diria não?).
Eu desejo do fundo do meu coração de pedra que um dia esses gurus precisem ser operados e só encontrem médicos que fizeram residência com vídeos do YouTube. Mas não, eles usarão o dinheiro que tiraram dos deslumbrados para pagar suas cirurgias nos melhores hospitais.
</>
Agrupar todos os jovens, de diferentes nacionalidades, culturas, níveis de educação e classe sócio-econômica dentro de um mesmo pacote é muito superficial. Demógrafos americanos questionam a Pew:
“São caricaturas, estereótipos embaraçosos com a mesma imprecisão da astrologia”, escreveu no jornal Washington Post Philip N. Cohen.
TEMOS UM MITO AQUI?
O mito comum no marketing é acreditar que é o jovem que cria novas demandas, determina as tendências de consumo e direciona as decisões das marcas. No mundo em que o jovem consumia bastante e representava a maioria da população, isso fazia (algum) sentido.
Hoje o jovem faz mais barulho, aparece mais, mas nem sempre decide.
Vejo isso da seguinte forma: por serem numerosos em redes sociais, produzirem muito conteúdo nessas mesmas redes e se manifestarem de forma mais estridente, os mais jovens aparecem mais e obtêm maior visibilidade.
Porém, temos o desafio da proporcionalidade.
Quando uma tendência é tratada de forma desproporcional e o mercado não responde da forma como os bardos de tendências bradam, a tendência é abandonada.
Vide, por exemplo, o metaverso. De uma para a outra, milhares de gurus de metaverso viraram vapor no LinkeDisney e passaram a bradar sobre outro assunto. A IA é um deles.
Os jovens recebem muita atenção da área de marketing, porém, eles já não são o maior grupo consumidor da sociedade, não são eles que detém a maior renda e não são eles que pagam as próprias contas, em boa parte.
Percentual de jovens brasileiros com 30 anos ou menos caiu para menos da metade em uma década. A pirâmide etária está se tornando uma torre.
63% dos negócios têm os millennials como alvo, mas 4 em cada 10 consumidores brasileiros acima de 55 anos sentem falta de produtos e serviços voltados para eles.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2030 o Brasil terá a quinta população com maior média de idade do mundo.
"Há muitas pesquisas que dizem que as pessoas realmente se tornam mais felizes à medida que envelhecem", diz Jim Barnett, da AARP.org. "Eles vivem suas vidas, ganham experiência e sabedoria e sabem do que gostam e do que não gostam. Eles são capazes de fazer escolhas sobre o que querem com mais facilidade porque têm o benefício de ter vivido uma vida plena.”
A população de 30 a 59 (41,6%) corresponde em volume à população de 0 a 29 anos (43,2%). É a população mais rica e que mais consome.
Os jovens já não são o farol do marketing.
Ou pelo menos, não o único.
OS RESULTADOS DE AMBOS OS VETORES
Existem cerca de 962 milhões de pessoas com mais de 60 anos no mundo hoje – mais do que o dobro do que havia em 1980. Em 2050, esse número mais do que dobrará novamente, para quase 2,1 bilhões. Um em cada quatro habitantes do planeta.
Esse aumento de adultos mais velhos, juntamente com o declínio das taxas de natalidade, significa que, em cerca de 20 anos, haverá mais pessoas com mais de 60 anos do que com menos de 15.
O estudo Transição Demográfica e Consumo, da FecomercioSP, mostra as oportunidades para diferentes setores diante do novo perfil etário da população. O levantamento mostra que, em 2020, 23,5% das famílias tinham um idoso como chefe.
No início da década de 2040, a fatia será de 37,4%. Em 2060, metade dos lares apresentará terá um idoso como chefe do lar.
Em termos de consumo, isso deve representar um aumento de 193% nos gastos com planos e serviços de saúde, enquanto os dispêndios com educação devem crescer menos, cerca de 44%.
"O número de lares com o chefe acima dos 60 anos vai dobrar nos próximos 20 anos, então, as despesas serão diferentes”, afirma Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP.
O cliente da chamada “economia prateada” desembolsou, só em 2022, R$ 1,6 trilhão em bens e serviços, que representa 20% do consumo total, segundo dados da FleishmanHillard.
72% dos idosos entrevistados disseram que foi identificado certo despreparo nas lojas, e outros 65% disseram que não acreditam na adequação das marcas para atender suas necessidades. Para 52% deles, é comum ter dificuldades na hora de encontrar produtos que atendam suas vontades e expectativas.
Nos anos 2000 dizia-se que os 40 eram os novos 30. Agora, os 50 são os novos 40 e os 60 ainda não estão nem perto de serem "velhinhos” à moda antiga.
AS INÚMERAS OPORTUNIDADES NO MARKETING
Com tantos adultos maduros saudáveis, ativos e conscientes da sua importância no mercado, é preciso entender o que eles buscam, o que gostam, como consomem e o que valorizam.
Alguns mercados importantes:
Saúde e bem-estar personalizado: o mercado de wellness (bem estar) está em crescimento acelerado. Academias, alimentação saudável, suplementos alimentares, roupas esportivas, eventos esportivos, dispositivos de saúde vestíveis (como relógios que monitoram saúde) e serviços de telemedicina estão em alta. O mercado global de dispositivos vestíveis, por exemplo, deve crescer a uma taxa de 25,6% ao ano até 2030 (GVR).
Moradia adaptada: soluções de moradia adaptada, como reformas residenciais para acessibilidade (rampas, barras de apoio) são um mercado em ascensão. Comunidades de convivência para idosos ativos (vilas de aposentadoria com atividades sociais) reimaginam o velho conceito de asilo e dão lugar a um conceito mais moderno de convivência e socialização planejados.
Turismo para a terceira idade: experiências de viagem voltadas para pessoas maduras, com roteiros mais lentos, acessibilidade e foco em conexão social, como cruzeiros temáticos ou viagens culturais guiadas.
Medicina do envelhecimento: tratamentos hormonais, endocrinológicos, nutricionais e ortopédicos com foco em pessoas maduras.
Cuidados pessoais:
Cosméticos anti-idade: Cremes, séruns e maquiagens com ingredientes hidratantes e suaves.
Cuidados com cabelo e pele: Produtos para cabelos grisalhos e peles sensíveis.
Serviços de estética sênior: Salões e clínicas especializadas em idosos, com acessibilidade e atendimento personalizado.
Educação avançada:
Cursos presenciais e online: Programas de idiomas, tecnologia, artes ou bem-estar.
Universidades da terceira idade: Iniciativas como as Unatis (Universidade Aberta à Terceira Idade) (Brasil) ou Osher Lifelong Learning Institutes (EUA).
Plataformas de microlearning: Conteúdos curtos e acessíveis, como vídeos educativos e apps, como o Duolingo.
Estratégias de Marketing:
O marketing deve usar narrativas emocionais que destaquem independência, legado e conexão familiar. Campanhas com representatividade de idosos ativos, sem o estereótipo do velhinho de bengala ou da senhorinha com vestidinho quadriculado de vovó.
Veja no TikTok o discover coroa fitness. Agora vai lá e chama de vózinha uma coroa que levanta mais peso que você, ou um coroa com o shape do Thor.
Romper o estereótipo do “idoso” como alguém de saúde fragilizada, corcunda e vivendo de aposentadoria é um passo importante para abrir os olhos para esse mercado.
Nunca é tarde.
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Um número para não esquecer
78 anos poderá ser a idade mínima para se aposentar no Brasil em 2060, caso nenhuma mudança seja feita nas regras da Previdência, segundo projeção de estudo do Banco Mundial.
A idade mínima atual para se aposentar é de 65 anos para homens, e 62 anos para as mulheres.
O alerta leva em conta o envelhecimento acelerado da população e a adesão ao sistema. Apenas 56,4% da população economicamente ativa contribui com o INSS.
Se eu fosse você, criaria um fundo de aposentadoria para não depender do Governo.
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Frase da edição
“O marketing não é uma batalha de produtos, é uma batalha de percepções.”
– Al Ries
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
FEEDBACK É BEM-VINDO
Se você tem algum comentário ou sugestão, fale comigo. Eu não mordo.
Obrigado por ler!