Porque as pessoas compram #2: sistema de crenças
O sistema de crenças é um conjunto de valores, percepções e convicções que moldam a maneira como uma pessoa interpreta o mundo e toma decisões.
Essas crenças podem ser formadas por influências culturais, sociais, familiares, religiosas e experiências individuais, tornando-se a base para comportamentos e preferências de consumo.
Aqui não me refiro à crença no sentido religioso do termo, mas a coisas nas quais acreditamos.
Você notará ao longo do tempo que tento fazer conexões entre diferentes áreas do conhecimento. Robert Sapolsky ensina que separamos o conhecimento em caixas (sociologia, neurologia, biologia, psicologia), mas a natureza fez isso tudo junto e misturado. O comportamento, portanto, é uma resultante e não respeita limites conceituais.
Dessa mistura nasce o consumo, e é o consumo o meu objeto de discussão aqui.
Nos últimos anos surgiu uma vertente no marketing que acredita na humanização das relações de consumo. Se estamos precisando humanizar, é porque em algum momento perdemos a conexão com as pessoas. Passamos a focar excessivamente na venda e esquecemos que o marketing realmente é: "quando o marketing é bem feito, vender torna-se desnecessário" (São Peter Drucker).
Compreender o sistema de crenças do público é essencial para criar posicionamentos, soluções e comunicações mais eficazes, e por fim construir marcas que realmente se destacam.
O desafio está em equilibrar autenticidade, propósito e estratégia para garantir que a comunicação seja clara e diferenciada, mas também coerente com os valores do consumidor, que são a tradução mais direta de suas crenças.
As crenças influenciam diretamente o que as pessoas compram, quais marcas confiam e como percebem determinado produto ou serviço. Um consumidor que valoriza a sustentabilidade, por exemplo, tende a preferir marcas que adotam práticas ecológicas, seja por demagogia ou não.
Como professor, sempre escolhi usar exemplos como a melhor forma de ser didático e ao mesmo tempo pragmático na tradução de conceitos abstratos em uso prático.
Um exemplo do sistema de crenças no Brasil é a necessidade da casa própria.
Presente nas crenças comuns à sociedade, a necessidade de "ter um teto para viver” leva as pessoas a acreditarem que precisam ter a garantia de um lugar para morar, mesmo que em dado momento percam a renda. Por lei, se uma família tem um único imóvel, ele não pode ser penhorado e a família não pode ser despejada em caso de dívida.
Esse é um medo que está presente no sistema de crenças e que leva as pessoas buscar a conquistar um imóvel imóvel a qualquer custo, mesmo pagando juros extorsivos, comum no Brasil.
Vivemos num país que foi assolado pela inflação, por diversas crises monetárias, desemprego e outros males sociais, o que levou ao longo dos anos à formação da crença de que é preciso ter uma garantia, ter uma casa própria, algo que não pode ser tirado de você.
Essa crença se traduz no sonho de possuir a própria casa, não depender do aluguel e deixar algo para a próxima geração.
Ao se dirigir a consumidores que estão alinhados a essa crença, utiliza-se de argumentos que exploram dois extremos: o sonho de possuir e o medo de perder.
Seja vendendo um imóvel na planta, um financiamento de um imóvel usado, um consórcio ou outras alternativas, quase todo o marketing é construído sobre a crença de que é imprescindível comprar o imóvel próprio.
Não à toa o nome do programa de habitação do Governo tem um nome tão bom: "Minha Casa, Minha Vida”.
É assim que uma crença se torna um bem de consumo.
O cérebro humano busca padrões e certezas para reduzir a incerteza e facilitar a tomada de decisões.
O viés de confirmação faz com que as pessoas reforcem crenças preexistentes e rejeitem informações contrárias.
Por isso é tão fundamental para um profissional de marketing entender o comportamento. De forma simplificada, o comportamento é o resultado de tudo aquilo que nos compõe: a biologia, a psicologia e o ambiente.
AS CRENÇAS EXPRESSAS EM FORMA DE NECESSIDADES E VALORES
Em 1954, o psicólogo Abraham Maslow publicou o livro Motivação e Personalidade, no qual desenvolveu a teoria da hierarquia das necessidades humanas, explorada inicialmente em 1943 no ensaio “Uma Teoria para a Motivação Humana”.
Maslow entendeu que, quando nossas necessidades mais básicas (fisiológicas e de segurança) estão satisfeitas, ascendemos a outras necessidades e desejos que buscamos atender, como o apreço e o reconhecimento.
Curiosamente, Maslow nunca representou a hierarquia em forma de pirâmide. A versão piramidal foi difundida amplamente por Charles McDermid em 1960, em um artigo na revista Business Horizons.
Posteriormente, a Bain & Company traduziu a hierarquia de necessidades numa pirâmide de valor, com valores que representam cada camada.
Do ponto de vista do consumidor, a auto expressão é uma representação individual do sistema de crenças de cada pessoa: “eu sou vegano”, “sou rockeiro”, “sou crossfiteiro”, “sou espírita”.
Cada esfera da vida (trabalho, musical, alimentação, espiritual, atividade física) representa um conjunto de crenças sobre o mundo, sobre si mesmo e deriva numa forma de se expressar através do consumo.
Ao associar a própria imagem a um produto, comunicamos ao mundo quem somos. Seja com uma camiseta de uma banda, um estilo de alimentação ou o esporte que praticamos.
TRADUZINDO CRENÇAS EM REPRESENTAÇÕES
A humanidade sempre se comunicou por símbolos e signos (eu não estou falando do zodíaco!).
Na semiótica o signo representa um conceito, ele é uma entidade que é portadora da mensagem ou de um fragmento dela. Um signo pode ser um ícone, um símbolo ou mesmo um logotipo.
Aliás, por favor, jamais use “logomarca”, que é uma prostituição de conceito. Logotipo é uma coisa, marca é outra coisa. #gratiluz
A cruz, por exemplo, é um signo. Ela carrega significados simbólicos. Foi usada pelos romanos como instrumento de tortura, mas na tradição cristã representa a esperança, o renascimento, a salvação.
Em outro contexto, uma cruz representa um hospital ou uma farmácia. Nos uniformes militares, uma faixa branca no braço com uma cruz representa um médico.
Por isso, diferentes culturas entendem de formas diferentes símbolos, gestos e sinais. É função do Marketing entender como uma marca interage dentro de um contexto sócio-cultural.
É por isso que muitas marcas utilizam o símbolo do arco-íris em países ocidentais, representando o apoio às comunidades LGBT, mas as mesmas marcas não utilizam essa comunicação em países do Oriente Médio.
Diferentes sistemas de crenças levam a diferentes posicionamentos de marca. Um simples símbolo poderia gerar um impacto gigantesco na percepção de uma marca.
Nós comunicamos as nossas crenças através do consumo.
Não é à toa que algumas marcas são tatuadas na pele, como forma de auto expressão. Quem tem a crença de que precisa salvar o planeta compra um carro elétrico (risada sarcástica por dentro), se alguém tem a crença de que é uma pessoa que valoriza a liberdade, compra uma moto, se tem a crença de que o esporte muda vida, usa determinada marca esportiva.
A Nike, por exemplo, criou um Hijab esportivo para as mulheres muçulmanas.
Dessa forma ela se posiciona como uma marca inclusiva que valoriza as diferenças culturais e permite que as atletas muçulmanas utilizem o Hijab de acordo com sua cultura e religiosidade.
Criar produtos com alinhamento cultural reforça a mensagem da marca retratada em sua missão:
“Trazer inspiração e inovação para todos os atletas* do mundo.
* Se você tem um corpo, você é um atleta.”
As pessoas se expressam para os outros através da associação pessoal aos produtos que consomem.
Ao usar um Hijab da Nike, as atletas não só obtêm mais conforto na prática esportiva, mas comunicam sua crença pessoal de que valorizam seu esporte e acreditam no valor que a Nike propõe.
TRANSFORMANDO AS CRENÇAS EM PRODUTOS
Ao entender as demandas do mercado, as empresas criam produtos que representam os valores embutidos nessas crenças e os consumidores se identificam com esses produtos.
Vamos aos exemplos práticos:
Crença: "Comida natural é mais saudável"
Aplicação no marketing: marcas como Vitao, Mãe Terra e Jasmine usam essa crença para promover produtos orgânicos e naturais, destacando a ausência de conservantes, corantes e ingredientes artificiais.
Crença: "A proteína animal é essencial para a saúde" vs. "O veganismo é uma forma de alimentação que não explora os animais"
Aplicação no marketing: empresas como Swift e Friboi reforçam o valor nutricional da carne, enquanto marcas como Future Farm e NotCo usam a crença oposta para vender produtos à base de plantas.
Crença: "Plástico polui os oceanos e devemos reduzi-lo"
Aplicação no marketing: marcas como Natura e a Unilever adotam embalagens recicláveis e biodegradáveis, comunicando o compromisso com o meio ambiente.
Crença: "Tecnologia facilita a vida e economiza tempo"
Aplicação no marketing: a Amazon promove sua assistente Alexa como forma de simplificar tarefas diárias. Pena que ela não entenda a maioria dos comandos…
“– Alexa, toca Iron Maiden”
“– Tocando banda Calypso ao vivo”
Crença: "Privacidade digital é um direito, segurança é fundamental"
Aplicação no marketing: o Apple iPhone usa essa crença destacando recursos de proteção de dados, rastreamento de seus aparelhos e proteção contra vírus e malwares.
Crença: "Carro reflete status, se eu tenho sucesso preciso de um carro de luxo"
Aplicação no marketing: marcas como BMW, Ferrari, Mercedes-Benz e Bentley focam no desejo de status e poder para vender veículos de luxo.
Crença: "Beleza é sinônimo de juventude"
Aplicação no marketing: marcas de cosméticos como L’Oréal e Lancôme vendem produtos anti-idade e tratamentos de pele para reforçar essa crença.
Crença: "O esforço individual leva ao sucesso"
Aplicação no marketing: editoras de livros de auto-ajuda, coachs e eventos de networking vendem toda sorte de livros, cursos, formações e eventos para que as pessoas sintam que estão caminhando rumo ao sucesso.
Crença: "Equilíbrio entre vida pessoal e profissional"
Aplicação no marketing: empresas como Slack, coworkings e Notion destacam flexibilidade e produtividade, alinhando-se a essa crença.
Bom, acredito que ficou claro.
As marcas mais bem-sucedidas são aquelas que entendem os sistemas de crenças de seu público e os utilizam para construir mensagens e produtos alinhados com esses valores. Ao fazer isso, criam relacionamentos mais profundos e significativos com seus consumidores, aumentando a lealdade e o engajamento.
Um cliente que acredita no valor que uma marca representa é o melhor vendedor que essa marca pode ter.
O sistema de crenças é um produto da interação entre fatores internos (psicologia e experiências pessoais) e externos (cultura, mídia e sociedade).
No marketing, entender a profundidade dessas crenças permite criar posicionamentos fortes, gerar identificação com o público e construir marcas que se tornam ícones.
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Um número para não esquecer
Segundo Gartner Marketing Predictions 2025:
45% dos CMOs aumentaram seu orçamento de pesquisa paga em 2024, e 40% aumentaram seu investimento em SEO.
No cenário de diversificação de plataformas de busca (Google, Bing, YouTube, TikTok, Perplexity, chatGPT, Gemini), investir em ser encontrado é uma estratégia fundamental do marketing digital.
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Frase da edição
“De que outro modo o ser humano poderia compreender e experimentar o espaço à sua volta sem se imaginar como o centro dele?”
— Adrian Frutiger, Sinais & Símbolos, 2007
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