Porque as pessoas compram #4: o mercado do prazer e além
Os mercados ligados ao sexo estão entre os maiores do mundo
Somos máquinas biológicas programadas para reproduzir e garantir a sobrevivência da espécie.
Isso gera uma série de comportamentos que são inerentes ao ser humano: o impulso sexual, o desejo de reproduzir a espécie e o vínculo com a prole.
É tudo biologicamente explicável e todas as espécies fazem o mesmo.
Então o que nos diferencia?
A maldição da consciência. Nós somos a única espécie animal que sabe que vai morrer.
Para lidar com isso criamos toda sorte de explicações, mitos, cultos e crenças que geram diferentes culturas e entendimentos sobre a nossa existência. Esse tecido cultural impacta profundamente a forma como lidamos com esse impulso de reproduzir a espécie.
Enquanto algumas culturas podem atribuir ao sexo significado espiritual, em algumas religiões o celibato é mandatório (ainda que historicamente driblado) e outras ainda é tratado como forma de atingir a plenitude, como no Kama Sutra.
Por conta da consciência, temos uma necessidade intrínseca de explicar e dar significado às coisas. Não as aceitamos simplesmente pelo que são, precisamos de narrativas para justificar nossas ações.
Transformamos o sexo num dos mercados mais lucrativos do mundo, a reprodução num negócio (clínicas de fertilidade, planos de saúde, vacinas, fraldas, carrinhos de bebê) e desenvolvemos a necessidade cultural da fidelidade e do amor romântico.
São poucas as espécies no mundo que são monogâmicas e acompanham seus parceiros por toda a vida, entre elas o castor-europeu, o pinguim-imperador, o cisne e a coruja.
O modelo de amor romântico foi inventado no século XII. A partir da literatura passamos a acreditar que o amor traz felicidade e que as histórias de amor devem ter um final feliz. A figura do amor e da fidelidade foi construída socialmente [1] [2].
Então o que explica grupos indígenas que tem cultura monogâmica e outras poligâmica? Bem, essa é natureza humana, não é uma determinação genética, é cultural.
Esse entendimento construído no ocidente difere do entendimento construído no oriente, assim como cada cultura, religião e país entendem as relações sociais e sexuais de forma diferente. Mesmo dentro desses grandes grupos, há diversos entendimentos mais específicos de acordo com a afiliação individual às práticas sexuais.
Pode-se encontrar, na mesma pessoa, práticas que seriam entendidas como contraditórias ou hipócritas do ponto de vista social, mas que num olhar menos enviesado refletem apenas a natureza humana como ela é.
Não é incomum que uma pessoa tenha uma prática religiosa que prega a fidelidade e paralelamente seja praticante da cultura liberal, na qual a troca de parceiros sexual é vista como natural e feita por vezes de forma pública, como em casas de swing.
Aqui não cabem julgamentos, é um olhar de entendimento sobre o ser humano como ele realmente é, sem narrativas, hipocrisias ou condenações morais. Temos todos um impulso biológico natural para a prática sexual.
Como Abraham Maslow retratou em sua teoria da Hierarquia das Necessidades Humanas, nossas necessidades fisiológicas são a base da nossa existência.
O sexo é uma delas.
Feita a introdução, vamos entender como o mercado explora essa necessidade humana, porque afinal de tudo, as pessoas compram soluções para suas necessidades.
Partindo da premissa da reprodução, quero mostrar que os comportamentos que envolvem o sexo estão interconectados com o que vem depois dele.
A mente é capaz de criar narrativas incríveis para justificar suas decisões.
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
O sexo é uma necessidade humana básica
⚠ ⚠ ⚠
Alguns dos exemplos a seguir podem ser ofensivos ou chocantes para algumas pessoas. Recomendo evitar julgamentos, adotando um melhor analítico para o comportamento sem um viés pessoal, tanto quanto possível segundo suas próprias crenças individuais (me refiro à crença no sentido do que se acredita, não no sentido religioso).
⚠ ⚠ ⚠
Se o sexo é uma necessidade que em sua maior parte deriva da demanda biológica da reprodução da espécie, é uma consequência esperada que - tendo a ciência avançado até esse ponto - quando as tentativas de reprodução se esgotem, busquemos ajuda da ciência e da medicina para garantir que nosso DNA seja transmitido para a próxima geração ou, de forma mais simples, tenhamos filhos.
Vou começar então abordando o mercado de medicina reprodutiva e vou explicar porquê:
REPRODUÇÃO ASSISTIDA
O setor da medicina reprodutiva no Brasil movimenta R$ 1,3 bilhão por ano e deve chegar a pouco mais de R$ 3 bilhões, crescendo em média 23% ao ano até 2026. [SBRA] O Brasil tem 192 clínicas de reprodução assistida, sendo apenas 11 públicas (6%). 77% das clínicas (149) estão nas regiões Sudeste e Sul. [UNFPA]
É tão inerente à nossa existência a necessidade de perpetuar a espécie que quando não conseguimos fazê-lo naturalmente venha à tona a necessidade de recorrer a métodos complementares de reprodução.
Os custos com fertilização in vitro podem variar de R$ 5 a 50 mil [1]. Como esse valor obviamente é inacessível para a grande maioria da população, o SUS pode ser uma esperança para muitas famílias [2].
Quando ainda assim não é possível há outros caminhos, como a adoção, um dos atos mais maravilhosos que um ser vivo pode realizar.
Culturalmente temos diversas formas de atribuir significado à maternidade / paternidade, desde descrições romantizadas sobre a criação de filhos até soluções de encaminhamento para adoção de crianças não desejadas ou maltratadas por pais e familiares.
São extremos do comportamento humano: de um lado o amor incodicional, do outro as mais repugnantes atitudes que podem existir contra um ser inocente.
A reprodução assistida é uma solução que vai muito além do sexo, mas passa por ele. Disfunções sexuais podem causar ou derivar da incapacidade de reproduzir, culminando comumente no fim de relações até então saudáveis, como também pode unir fortemente um casal na busca pelo sonho de ter filhos.
Portanto não é só o sexo, mas pode afetá-lo.
O que começa como uma necessidade se desdobra em uma cadeia de eventos interconectados entre si, que carregam inconscientemente crenças diferentes - e por vezes - contraditórias.
O QUE VEM JUNTO E APÓS
No entorno da questão do sexo como instrumento de reprodução, temos uma vasta gama de soluções:
Planos de saúde (mercado de R$ 520 bilhões, com uma taxa de cobertura de aproximadamente 26% da população brasileira) [1]
Vacinas (mercado de US$ 89,51 bilhões em 2024) [1]
Cuidados infantis: higiene, fraldas, cosméticos (mercado mundial estimado em US$ 116,17 bilhões em 2024, e deve atingir US$ 154,58 bilhões até 2029) [1]
Carrinhos de bebê
A lista poderia continuar indefinidamente
Especificamente falando em carrinhos de bebê, há produtos partindo da faixa dos R$ 400, produtos na faixa dos R$ 6.000, como os carrinhos da Thule, até carrinhos de bebê Cybex na faixa dos R$ 27.000 [comprove].
O que isso tem a ver com sexo?
Diretamente? Nada. Indiretamente? Muito.
Para o ser humano, não basta cumprir a missão determinada pela natureza de ter filhos e garantir a sobrevivência da espécie.
No mundo orientando pelo status, consumir o produto mais caro possível transmite aos pares algumas mensagens:
“Eu me importo com meu filho, ele terá o que existe de melhor”
“Sou rico o suficiente para gastar quanto quiser no que eu quiser”
“Eu sou melhor que você porque tenho o bem mais caro que existe no mercado”
“Admire (ou inveje) a minha posição social”
“Dinheiro não é um obstáculo, posso consumir o que eu quiser”
São diversas leituras possíveis, com vieses diferentes de acordo com o ponto de vista de quem observa e com as crenças de cada consumidor, além é claro da posição na escala social.
Nossas decisões são emocionais, mas são justificadas "racionalmente” com alguma explicação minimamente plausível.
Portanto, se foi necessário tanto esforço engravidar, é coerente (tanto pelo Viés da Autoconsciência quanto pelo Princípio de Compromisso & Coerência) pensar que devemos seguir com esforço similar ou maior para criar os filhos concebidos.
Para pais que se esforçaram para ter filhos, é muito provável que cobrem de si mesmos um esforço proporcional na criação dos filhos. E isso se traduz em comprar itens mais caros e sofisticados, que trazem tranquilidade para o sentimento de culpa ou para a insegurança sobre se estamos fazendo o melhor pelos nossos filhos.
Depois dessa breve viagem pelos mercados ligados à reprodução e filhos, saindo do universo do objetivo biológico / cultual de ter filhos e voltando ao sexo em si, vamos ao consumo dirigido especificamente para as necessidades de prazer.
O BILIONÁRIO MERCADO DOS SEXPHOPS
Não é novidade que vivemos tempos de relações sociais mais complexas, superpopulação e simultaneamente uma individualização da vida, com cada vez mais pessoas vivendo sozinhas, menor percentual de casamentos e diversificação dos modelos de relacionamento.
Todas essas variáveis levam à maior adoção de produtos sexuais, seja por casais usando brinquedos sexuais em suas relações, quanto por pessoas solteiras.
O mercado de bem-estar sexual (esse nome é tão fofo né?) tem um faturamento global de mais de US$ 70 bilhões anuais, com expectativa de chegar a US$ 108 bilhões até 2027, segundo a Allied Market Research.
“Relatório da Ibis World mostra que a popularidade dos brinquedos sexuais aumentou à medida que as normas sociais se liberalizaram, tornando sua aparição na grande mídia comum. “Junto com o aumento nos gastos do consumidor, as compras de apetrechos como vibradores e pênis de borracha aumentaram”, diz o documento.
Nos Estados Unidos, segundo o relatório, quase metade de todas as mulheres possui vibradores. Por lá, a receita do setor cresceu 7% nos últimos cinco anos, atingindo uma estimativa de US$ 15,8 bilhões em 2023.” [MM].
Sentir prazer pode ser considerada uma necessidade tanto fisiológica quanto social, ou até mesmo de auto realização, a depender do contexto em que esse prazer é praticado.
Pode ter certeza que esse é um mercado que só tende a crescer.
ONLYFANS, PRIVACY E O MERCADO DE ASSINATURA PORN
Entre os 50 maiores sites do mundo, 7 são da categoria “conteúdo adulto”.
Mesmo fora dos sites evidentemente de conteúdo adulto, há a cultura de soft porn presente em redes sociais como o Instagram, TikTok e o Tumblr.
Conteúdos soft porn, com teor sugestivamente sexual, têm impacto direto em crianças, adolescentes e adultos, que os consomem nas redes sociais involuntariamente. O soft porn é aquele conteúdo que envolve a exibição do corpo não necessariamente nu, em situações que não são sexuais, mas são sensuais.
São conteúdos por exemplo com corpos de maiô ou biquíni, fitness em posições abusadas, fotos com roupas ousadas e ângulos sugestivos, abordagens que podem ser defendidas como naturais, mas geram estimulação sexual direta ou indiretamente. Basta ler os comentários e isso fica gritantemente evidente.
A sexualização foi tema de um maravilhoso vídeo de O Boticário na ocasião do Dia da Mulher, com a participação das atrizes Deborah Secco e Zezé Motta. Vale o play.
Por mais que alguém não acesse diretamente sites da categoria, acaba sendo exposto ao soft porn nas redes sociais.
A indústria de pornografia fatura US$ 16 bilhões por ano.
Em 2023, o Only Fans faturou US$ 1,3 bilhão, o que corresponde a cerca de R$ 7,20 bilhões. O lucro da plataforma foi de US$ 485 milhões, o que corresponde a cerca de R$ 2,72 bilhões.
A plataforma afirma que cerca de US$ 0,80 (R$ 4,80) de cada US$ 1 foi para os produtores de conteúdo.
O Privacy, a maior rede social de monetização da América Latina, atingiu a marca de 370 mil criadores.
Em 2024, Andressa Urach foi o grande nome do site, faturando R$ 6,5 milhões ao longo do ano. Além da assinatura de seus conteúdos, ela oferece chamadas de vídeo a R$ 5.000 e encontros presenciais por R$ 15.000.
Para além da pornografia, os números são alarmantes e 15 vezes maiores: a estimativa é que a indústria de exploração sexual fatura US$ 236 bilhões com a exploração sexual, o que inclui o tráfico de pessoas.
Sei que é um tópico sensível, mas é importante levar o entendimento ao limite para demonstrar até onde o impulso e o desejo sexual podem levar o ser humano. Em pleno 2025 ainda temos escravidão sexual de crianças e adultos acontecendo e milhões de pessoas consumindo sexo para sustentar essa indústria criminosa.
Onde há desejo, há comportamento; onde há comportamento, há mercado; onde há mercado haverá quem atenda esse mercado oferecendo soluções, lícitas ou ilícitas.
Quanto às ilícitas, são repugnantes. As lícitas são mercados gigantescos.
DESSENSIBILIZAÇÃO E MUDANÇA DE PARADIGMAS
Em 2005 o livro O Doce Veneno do Escorpião, que narrava experiências de Bruna Surfitinha, ficou famoso no Brasil. Em 2011 virou filme.
Anos atrás, tanto os livros Cinquenta Tons de Cinza quanto os filmes causaram furor, expondo ao grande público o universo de dominação, BDSM e sadomasoquismo numa versão suavizada.
Anora, filme ganhador de alguns Oscars esse ano, foi acusado de glamourizar a prostituição dentro de um conto de fadas. O filme divide opiniões.
São exemplos de como os temas até então sensíveis relacionados a sexo estão perdendo o estigma e simultaneamente sendo romantizados.
Também são ótimos exemplos para provar que sexualidade é tópico extremamente vendável. Tanto pela curiosidade quanto pela necessidade.
O MARKETING NISSO TUDO
Marketing é em essência, mercadologia.
Mercadologia é a ciência que estuda o mercado, com objetivo de criar e entregar valor para satisfazer necessidades e/ou desejos de um mercado consumidor. São usados produtos, serviços ou ideias que possam interessar aos consumidores.
“Marketing é a atividade (...) para criar, comunicar, entregar e trocar ofertas que tenham valor para clientes, clientes, parceiros e sociedade em geral.” [AMA]
Antes que alguém ache que os marketeiros são os filhos do capeta encarnados, é preciso deixar claro que provavelmente mais de 90% dos profissionais do mercado sexual nunca estudaram marketing. Eles atendem uma necessidade humana básica, ou seja, existe um mercado e existem soluções à venda.
Se gera valor para o cliente, as pessoas irão comprar.
Tabus à parte, e fazendo a ressalva óbvia quanto à exploração sexual, é um dos maiores mercados do mundo.
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Um número para não esquecer
Num experimento com analgésicos placebos, um grupo foi informado que a medição custava USD 2,50 por dose e ao outro que custavam USD 10 centavos. Após receberem um leve choque elétrico para simular dor, eles avaliaram o alívio proporcionado pela pílula.
84% dos participantes que tomaram o placebo "caro" (2,50 dólares) afirmaram sentir menos dor após o uso, em comparação com antes do choque
61% dos participantes que tomaram o placebo "barato" (10 centavos) relataram o mesmo nível de alívio da dor
A diferença significativa de 23 pontos percentuais foi observada entre os dois grupos, destacando como a emoção associada ao preço mais alto (confiança ou expectativa de qualidade) amplificou a percepção de eficácia do placebo.
Dan Ariely argumenta que "o preço que pagamos por algo pode alterar nossa experiência com o produto", um efeito emocional que influencia diretamente a percepção e, por extensão, decisões relacionadas ao consumo. [1]
Em resumo: tendemos a perceber o mais caro como melhor.
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Frase da edição
“A satisfação de uma necessidade cria outra.”
– Abraham Maslow
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
FEEDBACK É BEM-VINDO
Se você tem algum comentário ou sugestão, fale comigo. Eu não mordo.
Obrigado por ler!